Fig.1 Casa Beires |
A Casa
Beires, obra a seguir analisada, foi encomendada pelo Major Carlos Machado de
Beires e projectada pelo arquitecto Álvaro Siza Vieira. A sua construção foi
completa a 1976, na Póvoa de Varzim, 3 anos após o início da sua concepção.
1.contexto de intervenção e resposta projectual
“Quando me
encarregaram do projecto disse para mim mesmo: outro terreno horrível!” [1] Álvaro Siza Vieira
Numa
primeira visita ao terreno Siza sentiu-se desiludido com o aborrecimento do
lote que lhe era apresentado. Este nada mais era que um rectângulo de 17m x 30m,
que não prometia á partida o desenvolvimento de um qualquer projecto
minimamente interessante. A área envolvente, que se desenvolvia em lotes
semelhantes sob a forma básica de um paralelepípedo, era também pouco ou nada apelativo.
Simultaneamente a um descontentamento com a área de intervenção surgiam as
imposições e vontades da família. Esta tinha em mente uma casa-pátio, desenho
que se incompatibilizava com o tamanho do lote.
Contudo,
nesta mesma visita ao terreno o arquitecto fez um desenho espontâneo, livre,
sem qualquer crença de que aquele projecto viria a ser construído. Verdade é
que esse primeiro esquisso satisfez de imediato a família e o projecto
tornou-se realidade, contrariando as expectativas.
O
projecto responde com um desenho peculiar e único à estandardização maçuda
evolvente. Também conhecida por “Casa Bomba”, esta tem uma forma muito
peculiar: trata-se de um cubo, no qual uma das arestas dá a sensação de estar
em ruinas, como se tivesse ali sido implantada uma bomba que, consequentemente,
tivesse explodido.
“A
simulação da destruição parcial de uma das partes da casa pela explosão
imaginária de uma bomba”[2] Lord Byron
A
“explosão” dá origem a um pátio-jardim em volta do qual se desenvolve a casa.
Este, localizado na frente voltada para a rua pública, caracteriza-se por ser
um espaço de transição e articulação interior-exterior, privado-público.
“As janelas a norte, mais iluminadas à tarde,
estabelecem a harmonia que Siza pretendia”3
2.lógica funcional e espacial da
planta que melhor representa o projecto
Fig.2 Planta 2º piso |
A planta escolhida representa segundo piso da
casa. É visível a não-ortogonalidade e irregularidade das paredes definidoras
de espaços, que resultam de uma rotação segundo direcções da fachada explodida.
Esta planta opõe-se, por estas características, à do piso inferior. Este piso
alberga o programa de cariz mais privado: a suite do casal;
dois quartos e duas instalações sanitárias. A distribuição é feita por um
corredor que ganha personalidade própria e uma ideia de ritmo, pelas paredes
curvas e pela sua dimensão variável. Os quartos e a suite desenvolvem-se para o
lado da fachada principal da casa, abrindo-se assim em anfiteatro para o pátio,
tal como acontece com parte do programa do piso inferior. Esta ligação faz-se
através de uma varanda contínua que liga o programa e que adquire, também ela,
um desenho irregular. Num ponto específico em que o desenho da varanda é um
subtilmente recolhido, é criada uma ligação visual com a sala principal do piso
inferior, cujo tecto é, neste ponto, envidraçado(5).
“É um projeto com detalhes muito complicados.”[3] Siza Vieira
A
junção destas variáveis dá origem a uma habitação “onde nada é casual,
repetitivo ou convencional”[4].
3. Lógica funcional e espacial do corte que
melhor representa o projecto
Fig. 3 Corte A-A’ |
No corte
escolhido estão representados, no piso superior a antecâmara da suite e no piso
inferior o hall de entrada e a sala de jantar. É então possível compreender de
que forma é feita a distribuição do programa. No piso inferior, aquele por onde
se entra na casa, localizam-se os espaços
de cariz mais público e de lazer. No piso de cima encontra-se o programa com um
carácter mais íntimo, mais privado. A ligação física entre estes é feita
através das escadas representadas.
Os dois
níveis, que apresentam plantas muito distintas, têm em comum o facto de estarem
voltados para o mesmo pátio-jardim, reforçando ainda mais a importância deste.
É nesta ligação com o pátio que se verifica também a única relação visual entre
pisos(5) (excluindo aquela que acontece nas escadas).
4. Aspectos do projecto mais próximos do
movimento moderno
Usando o
cubo, exemplo da rigidez geométrica característica de uma arquitectura moderna,
como base para o desenho da obra, esta aproxima-se aparentemente de uma
arquitectura racionalista, caracterizada pelo uso de formas geométricas simples
e ortogonais. Podemos ter como exemplo de uma arquitectura racionalista obras
como a Ville Savoye de Le Corbusier
(1928, França), ou mesmo a Casa Aristides Ribeiro (1949-50, Porto) do
arquitecto português Viana de Lima. Esta aproximação pode ser também verificada
aquando do uso da cor, amarelo, roxo e negro no exterior e cores semelhantes
entre si e suaves no interior, e do detalhe construtivo como substitutos de uma
ornamentação sobreposta, supérflua. Esta sempre repudiada por aqueles que
rejeitavam os estilos históricos e defendiam a arquitectura limpa e “branca” [“(…) por lei, todos os edifícios deviam ser
brancos.”, Le Corbusier], que não mais seria do que “o jogo sábio, correcto e magnífico dos volumes dispostos sob a luz”, Le Corbusier.
A densidade
de significados e a complexidade de formas que abunda nesta obra permite que
esta seja, de alguma forma, relacionada com a obra e pensamento de vários
arquitectos do Movimento Moderno. Como por exemplo Robert Venturi, defensor
daquilo que é sem verdadeiramente ser, Aldo van Eyck, cuja obra se caracteriza
pela riqueza de formas diferentes.
Siza Vieira
viu no desenvolvimento deste projecto uma oportunidade para, ironicamente, se
questionar a si próprio, questionar a sua obra e questionar a arquitectura
moderna em geral. Assim, e numa analogia claro ao estranhamento de Marcel
Duchamp, a obra, impregnando-se de uma forte motivação conceptual, causa
naquele que a vê sem verdadeiramente olhar para ela uma sensação imediata de
estranheza. O que aos olhos de toda a
gente é uma casa estranha, feia, e nada apelativa, torna-se símbolo ideia muito
mais profunda a ela mesma.
5. Aspectos do projecto mais distanciados do
movimento moderno
É fazendo
“explodir” uma das arestas deste mesmo cubo que o projecto acaba por afastar-se
da ideia de arquitectura moderna, racionalista e funcional. Esta “explosão”
virtual, representação de uma ideia pessoal, interior ao indivíduo inquieto
consigo mesmo, torna-se a razão de ser do projecto, aquilo que lhe confere uma
identidade própria. Também podemos referir a parede do alçado norte, que se
prolonga para além da cobertura, sem qualquer carácter funcional, servindo
apenas para reforçar a presença daquele volume. Esta predilecção por um
carácter conceptual, em detrimento de um carácter funcional (defendido
fortemente pelo arquitecto modernista americano Louis Sullivan) afasta esta
habitação unifamiliar de certos princípios do Movimento Moderno.
“A
forma segue a função.” Louis Sullivan
Bibliografia
CORREIA DE CARVALHO, António José Olaio – O campo da arte segundo Marcel Duchamp. Departamento de
arquitectura da faculdade de ciências e tecnologia da universidade de Coimbra, 1999
El croquis, Álvaro Siza 1958/1994 nº 68/69. S.I.
FACULDADE
ASSIS GURGACS [on line] [consultado em 20 Abril 2012] www.fag.edu.br/graduação/arquitectura/.../2005/trabalho_alvaro.pdf
FERNANDEZ,
Sérgio – PERCURSO Arquitectura Portuguesa
1930/1974. Edições da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto,
s.d.
GARCIA
RAMOS, Rui Jorge – Arquitectura e
Projecto Doméstico na Primeira Metade do Seculo XX Português. FAUP
publicações
IMPRENSA
NACIONAL DA CASA DA MOEDA – SIZA. S.I
MARQUES DE PAIVA, Rita Ferreira - LUZ E SOMBRA. A estética da luz
nas Igrejas de Sta. Maria e da Luz, de Siza e Ando.Dissertação de Mestrado em História de Arte
Contemporânea
SIZA VIEIRA,
Álvaro – Memória Descritiva Projecto.
Porto, 1972
SIZA VIEIRA,
Álvaro – Memória Descritiva Projecto.
Porto, 1973
[2]MARQUES
DE PAIVA, Rita Ferreira - LUZ E SOMBRA. A estética da luz nas Igrejas
de Sta. Maria e da Luz, de Siza e Ando.Dissertação de Mestrado em História de Arte Contemporânea
[4] CORREIA DE CARVALHO, António José
Olaio – O campo da arte segundo Marcel
Duchamp. Departamento de arquitectura da faculdade de ciências e tecnologia
da universidade de Coimbra, 1999